| maternidade II



...e eu chorei.

Quando fui diagnosticada - depois de muita investigação e de uma longa conversa com o meu médico (de MTC) - tomei uma difícil decisão: não iria ter filhos.

Não foi de ânimo leve. Desde criança que sonho com o dia em que o teste de gravidez se iria tornar rosa.

A minha mãe engravidou, tinha eu 10 anos. A minha tia mais nova, a Cila, vivia connosco. Lembro-me bem do dia em que eu soube que iria ter uma irmãzinha: entrei no quarto dos meus pais e vi a minha mãe a chorar, toda contente. O meu pai olha para mim, com cara de "futuro pai babado pela segunda vez" e diz: "Vais ter um mano ou uma mana...". Eu corri para o quintal, meti-me na casa-da-costura e chorei. Estava tão contente... foi, sem dúvida alguma, o dia mais feliz da minha vida.

Desde então, eu e a minha tia Cila, líamos tudo o que apanhávamos sobre gravidez, bebés... como se faziam os bebés (às escondidas da minha mãe, claro), como o bebé se formava na barriga da mãe, como ele nascia...

Ao longo da minha adolescência fui planeando a minha gravidez. Quando chegou a altura certa, comecei a planear o parto (eu gosto muito de planos...). Iria ter a minha Laura ou Matilde - ainda não me tinha decidido - em casa, com a ajuda de uma Dola.

Um pouco antes de engravidar, fiquei doente.

Quando fui, finalmente, diagnosticada, foi o choque de saber que a doença tinha uma forte componente hereditária.

Sentei-me com o Dr. Artur - o meu médico - e falei-lhe da minha decisão. Ele foi o primeiro a saber. Falámos muito, nesse dia. O Dr. Artur sempre soube que o meu sonho era ser mãe. Mas apoiou a minha decisão. Para nós estava claro que existia uma grande probabilidade do bebé nascer com a doença. O "meu filho ou filha... ter as mesmas dores que eu tenho?" - e acenei a cabeça. Disse que não. Eu não iria ser egoísta a esse ponto, simplesmente, não iria.

Além disso, eu estava muito afectada, tanto física como psicologicamente. Já andava de canadianas, havia alturas em que tinha que ser a minha mãe a dar-me de comer à boca... como poderia eu ter um filho, assim?

Chorei muito. Não podia ver uma criança a brincar, uma mulher grávida, uma ecografia... começava a chorar. Porque doía. Tanto que não sei explicar.

No ano passado, tudo na minha vida mudou, graças à dieta sem amido. Logo que comecei a melhorar, decidi voltar ao trabalho. Não voltei a exercer a minha profissão porque fui ajudar a minha mãe. Ela estava um pouco debilitada e precisava de ajuda para tomar conta dos bebés dela - ela é ama.

Os primeiros meses foram uma autêntica tortura. No mesmo mês em que eu comecei a trabalhar com a minha mãe, entraram dois bebés de 4 e 5 meses. Tão pequeninos, tão frágeis... tão lindos...

A menina chamava-se Clara. Linda, a minha princesinha...

Muitas vezes, eu pegava nela e ali ficava. Não conseguia evitar, as lágrimas escorriam-me pela face. Poderia ser a minha Matilde (ou Laura)... pensava, para mim.

A minha mãe apercebeu-se que eu não estava a lidar muito bem com a situação e, sempre que se apercebia que eu estava triste, vinha para ao pé de mim, pegava na Clarinha e conversava comigo. Ela sempre apoiou a minha decisão. Compreendeu, disse-me que seria a sua decisão, também.

Aos poucos, a mágoa e a dor foram passando. Não vou dizer que já está tudo bem. Que já não dói. Mas, como com tudo na vida, aprendi a aceitar.

Mas... hoje, estávamos todos a brincar - num reboliço incrível - e a Clara (agora com 30 meses) olhou para mim e chamou-me Mãe. E eu chorei...

Comentários

Ana Lecta disse…
Miga:

Comoveu-me muito este seu lindo texto, nem sei o que lhe dizer, substituo a ausência de palavras por um abraço apertado e pela minha amizade incondicional.

Beijinhos
susana lopes disse…
Obrigada, amiga.
Muito lindo! Realmente com a E.A fica dificil ser mãe biologica , mas não é impossivel ser mãe de coração. E tenho comigo que quando nascemos ja nascemos mães , não é um estado fisico mas emocional e de amor , e isso pode ser exercitado em alguem que não saiu de dentro da gente , mas é como tivesse saido pois o amor é muito forte.
susana lopes disse…
Obrigada pelo comentário, querida Lu! Fica difícil, mas não impossível, tem razão. Não tenho filhos biológicos mas tenho muitos do coração!

Um beijo grande!

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